Eu já era um garoto de 16 anos, voz grave, de barítono, integrante do coral do seminário. Nova professora de desenho, dona Rosalina Nizer. Loiríssima, sangue germânico, não menos exigente que D. Lurdes Brunetta e seguindo a mesma linha de desenho. Esforçava-me o máximo e o dez não vinha. Cacete!!! (ops, isso não podia ser dito na época). Será que ela também não notava minha genialidade? Ela sabia que eu era habilidoso, mas o dez não vinha, pô.
Nessa época, alguém me presenteou com uma aquarela de seis cores (não me lembro quem foi). Dessas aquarelas tipo pedra, grudadas sobre uma palheta de cartão, acompanhadas de um pinçel que parecia piaçava. Era preciso diluir a aquarela com um pouco de água, tão dura que era. Para mim, era uma grande novidade.
Reproduzia tudo que estivesse ao meu alcançe. O Marcos Rossoni, uma classe acima da minha, muito meu amigo, emprestou-me seu caderno de desenho do ano anterior, que copiei. Muitos deles ainda conservo. Essa aquarela era de difícil uso, mas ótima para meu desenvolvimento. Eu queria fazer algo a mais e melhor do que o trivial para ter a admiração dos colegas. Já tinha vários amigos. Meu relacionamento social melhorava a medida que eu fazia mais amigos.
Retrocedendo um pouco no tempo, acho que eu estava na primeira série do ginásio. sentado ao meu lado, na sala de estudos, havia um garoto de nome Vitório Canossa que desenhava bem. Desenhou o nosso seminário (réplica estilizada de um dos tantos castelos do Vale do "L'oire") de forma tão perfeita que eu não me cansava de olhar e admirar o desenho e o autor. Foi meu primeir ídolo. Ele nunca soube disso. Mas não passou desse desenho, meu ídolo sumiu, desapareceu, escafedeu-se. Outro garoto, este da minha classe, habilidoso, era bem melhor que eu. Meu concorrente direto. Anos depois (cerca de 1945), encontrei-o tão modificado, tão diferente, que no primeiro instante não o reconheci. Comentando o fato, disse-me que ninca mais fez nada, que nunca percebera que, às escondidas, eu o admirava. Talentoa existiam, e muitos, mas pouco evoluíram, ou talvez nem tivessem consciência. Afinal, o objetivo comum era chegar ao sacerdócio. Saber a fundo português, latim, francês, inglês, história, geografia, matemática... Matemática?.. Pra que? Eu precisava saber fazer sermões empolgantes, emocionantes. Dois mais dois e dois vezes dois, eu já sabia fazer. Poderia pregar o evangelho através da música, do desenho, desenhar santos virgens, anjos, céus e Terra, cantar louvores à Nossa Senhora. Matemática!?.. Que merda! (ops, de novo... Isso não pode dizer)